DES-ABDUÇÃO DOS JEGUES
Pronto,
aqui vou eu de novo, apoquentar a sua noção político-estética!
E
de certo modo, penso, irei contrariar pessoas legais e até mesmo coerentes, mas
que se apressaram, sentando-se de modo preguiçoso no divã Facebook, como se diz
por aí: “Deram os burros n´água!”.
Cansei,
ouvi, li, cansei, e finalmente decidi opinar sobre o Monumento aos 150 anos de
Campina Grande. A tal chegança dos tropeiros à sesquicentenária cidade. A grotesca
obra tem denominação técnica: Memorial e
Centro de Informações Turísticas de Campina Grande, não se restringe,
portanto, ao externo visível, por dentro dele, existe uma sala-de-reboco
moderna. É uma estrutura múltipla, um prédio-monumento que abriga, o tal
Monumento, tecnicamente chamado de “Memorial
alusivo à comemoração ao 150° (sesquicentenário) de Campina Grande”. Esse é
o nome do bicho, não há, portanto, até o momento, um nome específico, fora as
inúmeras alcunhas que tem granjeado, de “bicho papão” à “enterprise de jegue”.
Como
todo bicho papão tem fome de angu, esse aí não foge à regra licitatória de
comer dinheiro. O valor contratual inicial foi de: R$ 1.459.177,22; foi! Porque
a fome insaciável exigiu mais vitamina: o velho e bom aditivo, de R$
1.221.704,01, totalizando uma merenda de R$ 2.680.881,23, de nosso erário. Para entender a matemática submersa
nos números, imagine a seguinte situação: um tropeiro acordou levar uma carga
de algodão do sertão à Campina, por 15 sacas de moedas. Mas, na metade do
caminho percebeu que a empreitada valia mais uma metade do que cobrou. Voltou à
cidade e “pediu” mais 15 sacas. Para não perder a viagem da carga o comerciante,
dono dos feixes de algodão, deu novamente mais 14 sacas, conseguindo assim
destinar sua mercadoria (Moral: “Na política, o casual é álibi e consolida a
regra”).
DISPOSIÇÕES GRATUITAS
Mas
quem é essa tal Charlotte? Bom, Ela ainda não existe. Mas não se espantem com
surgimento de uma geração de Charlottes, advinda da glória homenagem à nova
princesinha Charlotte de Cambridge,
recém-nascida do seio da coroa inglesa, neta da antiga princesa Diana Frances
Spenser, a eterna Lady Di, e herdeira
indireta do Palácio Kensington da Inglaterra.
Essa
novata personagem, decerto inspirará versões piratex mundo afora. (com um t, com y e demais variações dialetais).
Nossa cultura, pródiga à ingestão refreada de modismo, dará sua contribuição à
existência de Charlottes tupiniquins (os tanto nomes indígenas bonitos
aguardarão o toque midiático para nomear nossos filhos).
Pronto, acho consegui chegar, com Charlotte, ao pondo de ebulição da questão central sobre o “juízo de valor”, ou “disposições”, declaradas alhures sobre alguém, objeto ou fato e que chamarei, neste caso do Monumento, de Carruagem de Charlotte. Ou seja, o modismo gratuito, também conhecido como ausência de senso político confundido por senso estético. Esse modismo é a correia desatada das ovelhas. É a gratuidade do senso, é a incapacidade de ler por trás da notícia.
Com
isso, nos aproximamos finalmente ao dorso da “aisthépausis” (estética). Pois,
no que tanque ao gosto estético especificamente, tema e pauta desta minha
opinião, nos situamos em geral, no jardim da infância, ou seja, muita
ludicidade, constante aprendizado e maturação crítica sobre a realidade.
Sobre
esta nossa verde condição de leitura, de apreensão do objeto estético, o
sociólogo e historiador Pierre Bourdieu atribui ao mecanismo de apressamento do
juízo, que ele chamará de disposições:
“um conjunto de regras, que em geral as pessoas incorporam de maneira
inconsciente, como o gosto estético, as posturas éticas, as ‘naturalizações’ de
aspectos cognitivos e até mesmo físicos ligados à identidade”. Para mim, as
disposições são como simpatias gratuitas
que in-voluntariamente tomamos para os fenômenos e relações sociais.
Como
todo conteúdo pisco-ideológico, as disposições ou simpatias gratuitas nascem de nossa interação social, estando
insufladas por apressamentos e acomodações que intentam adequar as “nossas
visões de mundo” sobre o próprio mundo, digo, à nossa realidade.
No
caso da princesinha Charlotte, tem-se uma simpatia gratuita, que se ativa como
adesão sociológica “sub-objetiva”, pontuada no cotidiano por uma política de
encaixe particular, pessoal. Enquanto que, no caso do Monumento, a simpatia
gratuita revela-se não-receptiva, por içada uma denegação voluntária, fruto de
uma tensão entre a poética cultural
que se instala no cotidiano e a
expectativa cultural do sujeito, cujo apelo social é amplo, como um fórum
presidido por cruzamentos de subjetividades.
ESCONDE-ESCONDE ENTRE A
POLÍTICA E A ESTÉTICA
O
que noticia o Monumento? Digo, que tipo de disposições
faturam um gosto final para ele? Minha hipótese indica a ausência de
publicidade de autoria e de prévio debate público sobre “a nova tatuagem” a ser
feita no corpo da cidade.
Aliás,
conheço obras públicas em nossa cidade bem mais toscas e frágeis, e que perto
de nossa “tropa de burros”, figurariam como seus despojos orgânicos à beira do
longo caminho. (pense-se na precária utilidade prática e intensa utilidade
estética do viaduto de fluxo trocado! Um aleijão advindo de uma má cirurgia,
cujo resultado plástico satisfaz a expectativa estética).
De
todo modo, se hoje vemos nascer um monumento, fechamos os olhos ao
desaparecimento e desgastes de obras públicas importantes como a sumida
escultura “A Samaritana”, de Abelardo da Hora. E o que dizer do desleixo - já
histórico - pelo Parque Evaldo Cruz, marco da modernidade urbanística de
Campina? Notar-se-á nestes casos, a autoria dando crédito às obras.
Reparem
que, ao tocar na não-autoria do Monumento, acabo por adentrar no aspecto
pedagógico para uma “curtição” estética. Sem um aprendizado consolidado, as
obras de arte tombam ante a ignorância de olhares preconceituosos e sem
preparo. (não querendo afirmar que o Monumento em questão é uma obra
aquilatada). Avalio que, se mostrasse aos seus apressados críticos um quadro de
Miró, sem lhes revelar a autoria, tomariam (à primeira vista) como rabiscos
infantis (malfeitos?).
Na
estética, o risco da ignorância é descomunal ao tamanho ou funções das obras. Lembrem-se
das recentes tentativas de inquirição, na capital do estado, do Porteiro do Inferno, e da medíocre doxa
às obras xangozeiras-diabólicas dos contornos públicos daquela cidade (boas
aulas que tivemos, mas de raso aprendizado político, dirá estético!) ou seria o
contrário? A polêmica causada deu aprendizado estético diante a utilização
política?
Voltando
ao nosso Monumento, o que está em jogo, até aqui, não é a estética, mas a
política. Walter Benjamin, que não é menino besta, já entendia que é
incompletude crítica dissociar “política, arte, técnica e magia”. Tá dado o toque
de que não podemos ver apenas a superfície imaginativa que toca as patas dos
burros. A técnica política que ali os colocaram, faz parte da compreensão do
fenômeno.
Afinal,
no caso deste Monumento, estamos observando um monumento artístico-estético ou
um ato político-cultural?
No
plano imaginário, a ideia expressa na composição do Monumento até que não é
simplória. Imagina reatar o passado histórico (o início da cidade com a ação
dos tropeiros, representada por um realismo de apurada técnica), com o futuro
de progresso (a estrutura-base de onde sai a tropa). Uma mensagem construída
por termos invertidos. Tal inversão é até bem composta: o futuro devolve a
história.
Ler
estes signos intrínsecos à obra não é requer maiores esforços. A “mensagem” da
homenagem se consolida sob estes dois elementos: uma estrutura futurística e
uma cena do passado representada. Quem disto discordar, estará vendo chifre em
cabeça de burro. O que sobra então, que não agrada? É tão difícil imaginar tais
junções? Sim, ao menos que... Não, ao menos que... Prevaleça a contradita gratuita.
TAPADEIRAS ORÇAMENTÁRIAS?
Suspeita-se,
no aqui e ali de toda cidade, dos re-milhões gastos à toa. Parece que é este o
alimento nutritivo da não aceitação estética, digo, da disposição à priori zombeteira. Este tema dos re-milhões nas obras
públicas é caminho de roçado para
nosso coração citadino. O que me faz lembrar outro marco na história
urbanística de nosso condado.
Penso:
até que ponto estamos aproveitando a “estética” das calçadas que cobrem o
centro da cidade? Um ladrilho bonito, que reverencia, talvez, o patrimônio Décor
e a vocação progressista da cidade. Pinçadas ao preço de pedras de brilhantes,
quando à época, a gestão assumiu tal necessidade estética-urbanística para a
cidade que comemorava o “boom do milênio”.
Também
aqui, sobra asfalto estético e falta senso político. A aceitação (simpatia
gratuita) deu-se vergonhosamente submissa e calada. No encalço desta
futuralidade estética ninguém sequer viu o rabo de um largo panorama de lazer
nas margens do Açude de Bodocongó...Foi-se também, rio abaixo do esquecimento,
isto é, com os burros n´água! Bem no meio empoeirado de nossa Campina, há uma
belíssima praça, abandonada, bem no centro financeiro da cidade, numa
bifurcação em formato “ferro de engomar”. Nada ali informa senão uma junção
operativa de transeuntes e alimárias mecânicas.
Quais denegações possuem o enfeite estético das calçadas, a feiura dos açudes urbanos
e das praças históricas da cidade? Se me respondem que são estéticas que moram
no passado, só posso entender a birra com o Monumento, como uma birra conta o
futuro. Sendo forçado a comunicar que extraímos de nosso passado os rabiscos do
futuro. Cuidar do passado é a maneira mais producente de garantir o futuro.
Caso não estejamos lembrando que a política nada mais é que um combinado entre
os presentes sobre o futuro. Mas não à todo custo, como tem feito a atual
gestão.
Garanto,
que, se o escritório de arquitetura (a empresa executora, a Construtora Rocha Cavalcante LTDA) tivesse
se empenhado em divulgar a concepção, as credenciais dos artistas (?), e no
desenvolvimento de qualquer ação artístico-social com uma escola municipal,
tudo isto estaria noutro patamar de aceitação estética, ou melhor, política.
Pois,
ao lado dos berros descontentes, ouvem-se murmúrios do gasto desnecessário que
a atual gestão fez, ao produzir tal monumento (há uma opção muito cara
socialmente, mas que eliminariam os berros: demover o colosso! E aqui fica a
dica: a força de um não é igual à força de todos). Longe de ser uma incitação
violenta, a destruição do colosso perpassa e cobra, a consciência política de
que a sinergia coletiva é bem maior que a soma dos unitarismos (contudo, o
cadeado está fechado, pois, delegamos a alguns poucos os muitos poderes que
temos).
E
aqui, transformo minha hipótese inicial em tese provocativa: para sentir o
gosto da estética, o cidadão deve antes pagar ingresso à politica, que deve
reverter-se em bem social (o sentido de pagamento, como se vê, ironiza, de um
lado, a socialização dos interesses do grupo - pela participação política-; e
de outro, que há um preço a pagar: a participação).
PUXA COM FORÇA QUE ATOLAMOS!!!
Não
gostaria de duvidar que tal colosso, nosso Monumento, não “homenageou” o
Orçamento Participativo...Se não o fez, de fato, merece toda a nossa
repugnância política, não estética. De minha parte, não acho o Monumento a nona maravilha do mundo moderno.
Apenas me incomodo diante a negação gratuita que mais das vezes esconde o incômodo
político.
Magnífica
é a coincidência história desde Monumento aportar exatamente onde os burros pousavam,
o lugar do Berro D´água.
Diz
a lenda que o prumo dessa viagem futurística careceu de legalidade por parte
dos representantes municipais...(de certo modo, o jeitinho mineiro do prefeito
Romero, mostra-se excelente à estratégica de, no grito e por cima de pau e
pedra, fincar seu nome como o segundo modernizador da cidade. Cá pra nós, até
que o tropeiro lá no alto do espaço, possui semelhança física com o prefeito.
Um pouco de ficção não faz mal, né?) “Será arte...?”
O
embargo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba
(IPHAEP), e a conclusão da Promotoria do Meio Ambiente e Patrimônio Social do
Ministério Público do Estado da Paraíba não me deixam mentir que esta Carruagem
de Charlotte, mesmo atolada pelas leis, é erguida para além do Berro D´água
como um cabo de guerra entre o
passado e o futuro. Diante mão já ganho pelo velho campeão: aquele que grita
mais alto “arre égua! Tenho recursos próprios e recursos da legislação do poder...!”.
O VALOR MAIOR: O TEMPO
DA MEMÓRIA COLETIVA
Se
em 1907, o trem do progresso atrasou, em sua primeira vinda à cidade; agora, o
novo veículo, “a nave de burros” se mostra afinado à história, com um atraso monumental, fazendo descarrilhar
os pilares das leis, sob o velho pão e
circo, digo, desenvolvimento turístico.
O
test-drive estético, ao contrário do viaduto, será menos danoso e até surpreendente,
quando abarrotado de turistas, os burros e o “solitário tropeiro”, se tornarão
pano de fundo nas alegres fotografias.
Pecou
a gestão pelo mau planejamento e desrespeitos ambientais e patrimoniais, por
confiar somente à placa dos gastos, uma informação tão importante que é
registrar a memória da política da cidade por meio de uma estética. Pecou a
empresa que não otimizou seu serviço à serviço da transparência, da
produtividade pública (interesse maior da gestão). E tem pecado o munícipe ao
exortar para o inferno uma imagem que não compreende, pois senta-se na cadeira
da política pensando avaliar a condução estética (sabe nada inocente!)
Diante
tantos pecados, omissões e julgamentos resta-me vaticinar: amanhã, no futuro, estará
uma menina de nome Charlotte, sentada à frente do Monumento, imaginando como
foi extraordinário, começarmos com um bando de burros a uma cidade tão ímpar.