domingo, 12 de julho de 2015



Passolini (2014) Fantástico longa, talvez intragável aos purinanos diletantes, contumazes nos ecos dos mass media, capazes de tomar a tendência distrópica de Mad Max: dias da fúria, como rescaldo feminista; talvez delicioso e inesquecível àqueles que já assistiram as películas de Pier Paolo. Coisa do outro mundo é a mágica interpretação do ator Willem Dafoe, perfeita, parece que Passolini encarnou-se. Como na reconstituição da última entrevista, dois dias antes de sua morte. 

O pensamento-imagem de Passolini passado a limpo tanto nos diálogos - que recobrem sua filosofia de cena -, quanto nas texturas da imagem, no trabalho de arte e nas referências de seus filmes, devido ao teor biográfico do filme. Em suma, mais uma vez o Diabo (entenda-se Hollywood) mostra seu em-canto ao banhar a sétima arte de Passolini com a técnica-arte da sétima arte.

Nos 76 minutos de duração, os difíceis contrastes da socialização humana do cineasta italiano, que poderiam ser roteiro direto às ressentidas amarras foucaultianas, são exibidos com fidelidade: as enfurecidas liberdades próprias de Passollini, numa trama que rejuvenesce os cultos paginados do cristianismo às suas mais primitivas “epifanias”.

O filme atualiza a pauta de Passolini da moral no sexo católico presentes em “Saló”, “Medéia”, “Decameron” e tantos outros filmes do mestre “Pier”, o que, aliás, atualiza nossa rusga mais atual sobre a sociedade e sua Festa da Fertilidade do novo-velho sexo. Digno de Passolini é a cena do “sacrifício” heroico de gays e lésbicas pondo de lado suas incompatibilidades por um dia. Vale dizer que, nesta cena, o texto, ganha da imagem. Por ele vemos a ironia da des-opressão. Já a cena final, as imagens fazem ressoar um texto bem mais atual: violência da intolerância às diferenças.

Um dos pontos estruturais do filme é o flete com a literatura. Deste a auto-identificação de Passolini como “escritor”; os posicionamentos teóricos sobre estética narrativa “a arte narrativa está morta e nós estamos de luto”, diz o protagonista na revelação escritural de um romance, que o espectador acompanha a gestação. Esse romance é leitmotiv de toda a narrativa fílmica, sedimentando sua estrutura e progressão. Como se registrasse os últimos sons-ideias do escandaloso diretor dos anos 60 e 70.

Uma possibilidade plausível à compreensão do filme é enxergar o romance como personagem, ou como a memória de Passolini negociando sua salvação do Leht quando opta pelo cinema e não a literatura, como expressão maior à sua negociação artística com a sociedade. O expectador acompanha as passagens do romance a partir de um novelo de frases-teses que Passolini expõe a seu interlocutor, Alberto.

São nestas frases, na verdade, máximas provocativas que a literatura faz-se evidentemente poderosa na subjetividade de Pier Paolo Passolini. Como por exemplo: a de que “democracia continua o santo jogo dos reis”; “sexo é política” e na esplêndida: “eu sou uma forma, cuja consciência é ilusão”.

Para os fãs de “Pieruti”, como sua mãe o chamava, o bônus do filme vem nos depoimentos, trazidos no pedido de análise de seu romance e na intimidade familiar de Passolini, momentos  que promovem aproximação e dá humanidade ao mito do cinema italiano e mundial, que soube fazer arte com as aporias e tabus mais caros da sociedade confusa entre aceitar que “uma” liberdade é possível apesar dos traumas. Passolini tornou-se um mainstream de um tipo de cinema (cinema de arte), que ajunta militância, provocação, debate e estética.


Na última cena, a agenda, aberta nas datas 6 e 7 de novembro de 1975, apontam compromissos, anotações e números de telefones, que não se realizaram devido seu assassinato no dia 2 daquele mesmo mês. Filmaço!!!